segunda-feira, 15 de maio de 2017

NIETZSCHE – SOBRE FELICIDADE


TRECHOS DA OBRA DE NIETZSCHE – SOBRE FELICIDADE

Sofrimento

(...) o estreito caminho do nosso próprio céu passa sempre pela volúpia do nosso próprio inferno. (...) felicidade e desgraça são duas irmãs gêmeas que crescem ao mesmo tempo ou, como sucede convosco, que ao mesmo tempo ficam pequenas! (NIETZSCHE, A Gaia Ciência, 2012, p.176)

371 Nós, os incompreensíveis — Reclamamos, alguma vez, de sermos mal compreendidos, desconhecidos, confundidos, caluniados, mal ouvidos ou ignorados? Eis nosso destino — e por muito tempo ainda!, digamos, a nossa modéstia, até o ano de 1901 — é também o nosso título de honra; não nos daríamos um respeito considerável se desejássemos introduzir alguma modificação no caso. Confundem-nos com outros: é que crescemos, é que não paramos de mudar, de fazer estalar velhas cascas, de criar pele nova em todas as primaveras, de nos tornarmos incessantemente mais novos, mais futuros, mais altos e mais fortes, e de enterrar mais fortemente as nossas raízes nas profundezas — no mal — ao mesmo tempo em que abraçamos o céu de uma forma mais apaixo­nada, mais vasta, e aspiramos à sua luz — com todos os nossos ramos, com todas as nossas folhas — mais avidamente. Crescemos como a árvore cresce — algo difícil de compreender, como toda e qualquer vida! — não cresceremos apenas em um só lugar, mas por todos os lados, não em um sentido, mas em todos ao mesmo tempo, em cima, em baixo, dentro, fora, a nossa força cresce ao mesmo tempo no tronco, nos ramos e nas raízes, já não temos liberdade de fazer nada separadamente, de ser nada separadamente... Assim é o nosso destino, como já disse: crescemos até às alturas e, mesmo admitindo que talvez seja para nossa desgraça — pois nos aproxi­mamos sempre mais dos raios! — nem assim deixamos de tirar a glória disso; é apesar de tudo um destino que não partilhamos, que não queremos partilhar, é o destino das alturas, nossa fatalidade... (NIETZSCHE, A Gaia Ciência, 2012, p.219)

Amor fati

(...) vou dizer qual é o pensamento que deve tornar-se a razão, a garantia e a doçura de toda a existência que ainda terei! Desejo aprender cada vez mais a ver o belo na necessidade das coisas: é assim que serei sempre daqueles que tornam as coisas belas. Amor fati (amor ao destino): seja assim, de agora em diante, o meu amor. Não pretendo fazer a guerra ao que é feio. Não pretendo acusar, nem mesmo os acusadores. Desviarei o meu olhar, será essa, de agora em diante, a minha única negação! E, em uma palavra, portanto: não quero, a partir de hoje, ser outra coisa senão uma pessoa que diz Sim! (NIETZSCHE, A Gaia Ciência, 2012, p.142-143)

A vida de todos os dias, de todas as horas, parece apenas que procura nos provar sem cessar essa tese; seja como for, bom ou mau tempo, perda de amigos, doença, calúnia, carta que não chega, esfoladela, simples olhar que se lança a uma loja, argumento que outra pessoa vos opõe, livro que se abre, sonho, duplicidade... tudo, tudo se revela a breve prazo ou imediatamente como uma dessas coisas que "tinha de acontecer"... tudo está carregado de um sentido, profundo, de uma profunda utilidade; e isso precisamente para nós! (...) Não pensemos também muito bem da destreza da nossa sabedoria se nos acontece, por momentos, ser surpreendidos pela maravilhosa harmonia que nasce do toque do nosso instrumento, demasiado bela para que ousemos atribuir-nos o seu mérito. Alguém vem, com efeito, às vezes, tocar conosco...é o nosso querido acaso: guia-nos as mãos fortuitamente, e a mais sábia providência não poderia imaginar mais bela música do que esta que nasce então sob a nossa louca mão. (NIETZSCHE, A Gaia Ciência, 2012, p.143-144)

Eterno retorno

341 O peso mais pesado — E se um dia ou uma noite, um demônio se introduzisse na tua suprema solidão e te dissesse: "Esta exis­tência, tal como a levas e a levaste até aqui, vai-te ser necessário recomeçá-la sem cessar, sem nada de novo, ao contrário, a menor dor, o menor prazer, o menor pensamento, o menor suspiro, tudo o que pertence à vida voltará ainda a repetir-se, tudo o que nela há de indizivelmente grande ou pequeno, tudo voltará a acontecer, e voltará a verificar-se na mesma ordem, seguindo a mesma impiedosa sucessão, esta aranha também voltará a aparecer, este lugar entre as árvores, e este instante, e eu também! A eterna ampulheta da vida será invertida sem descanso, e tu com ela, ínfima poeira das poei­ras!"... Não te lançarias por terra, rangendo os dentes e amaldi­çoando esse demônio? Ou já vivestes um instante prodigioso, e então lhe responderias: "Tu és um deus; nunca ouvi palavras tão divinas!". Caso este pensamento te dominasse, talvez te transfor­masse e talvez te aniquilasse; perguntarias a propósito de tudo: "Queres isto outra vez e por repetidas vezes, até o infinito?". E pesaria sobre tuas ações com um peso decisivo e terrível! Ou então, como seria necessário que amasse a ti mesmo e que amasse a vida para nunca mais desejar nada além dessa suprema confirmação! (NIETZSCHE, A Gaia Ciência, 2012, p.179)

Quem, semelhante a mim, com algum desejo enigmático, se esforçou longamente por pensar a fundo o pessimismo e salvá-lo da estreiteza e da simplicidade meio cristã (...); quem realmente olhou ao menos uma vez um olho asiático e mais que asiático para o interior e para o fundo desse modo de pensar que, dentre todos os modos de pensar possíveis, é o que mais nega o mundo – além do bem e do mal, e não mais, como Buda e Schopenhauer, sob o encanto e na ilusão da moral –, essa talvez tenha, precisamente com isso, sem que propriamente o quisesse, aberto os olhos para o ideal contrário: para o ideal do homem mais pleno de alegria, mais vivo mais afirmador do mundo, que não somente aprendeu a contentar-se e suportar aquilo que foi e que é, mas que o quer novamente tal como foi e é, por toda a eternidade, exclamando insaciavelmente da capo [do início], não apenas para si, mas para a peça e o espetáculo inteiros, e não somente para um espetáculo, mas no fundo para aquele que justamente precisa desse espetáculo e faz com que ele seja preciso: pois ele sempre precisa de si outra vez e faz com que seja preciso — O quê? E isto não seria – circulus vitiosus [círculo vicioso] deus? (NIETZSCHE, Além do bem e do mal, 2010, p. 81)

Felicidade

Algumas teses. — Ao indivíduo, enquanto busca sua felicidade, não se deve dar prescrições sobre o caminho para a felicidade: pois a felicidade individual brota de leis próprias, desconhecidas de todos, e preceitos externos podem apenas inibi-la, impedi-la. — Os preceitos chamados de "morais" são, na verdade, dirigidos contra os indivíduos, e não querem abso­lutamente a sua felicidade. Tampouco referem-se eles à "feli­cidade e bem-estar da humanidade" — palavras a que não é possível ligar conceitos rigorosos, e menos ainda usar como estrelas-guia no escuro oceano dos empenhos morais. — Não é verdade que a moralidade, como quer o preconceito, seja mais propícia ao desenvolvimento da razão que a imoralidade. — Não é verdade que o objetivo inconsciente, no desenvolvimento de todo ser consciente (bicho, homem, humanidade, etc.), seja sua "felicidade suprema": trata-se antes de alcançar, em todos os estágios do desenvolvimento, uma felicidade particular e in­comparável, nem superior nem inferior, mas simplesmente pe­culiar. Desenvolvimento não busca felicidade, mas desenvolvi­mento e nada mais. — Apenas se a humanidade tivesse um objetivo geralmente reconhecido poderia alguém propor: "De tal e tal modo deve-se agir"; atualmente não há esse objetivo. Logo, não se deve relacionar as exigências da moral à humanidade, o que é insensatez e diversão. — Recomendar à humanidade um objetivo é algo bem diferente: então ele é concebido como algo que está ao nosso bel-prazer; supondo que agradasse à humanida­de a proposta, ela poderia então dar-se uma lei moral, igualmen­te a partir de seu bel-prazer. Mas até agora a lei moral devia estar acima do bel-prazer: não queríamos propriamente dar-nos essa lei, e sim toma-la de alguma parte, ou achá-la em algum lugar, ou deixá-la impor-se de alguma parte. (NIETZSCHE, Aurora, 2016, p.73)

Louvor e censura. — Se uma guerra tem desenlace infeliz, pergunta-se pelo "culpado" da guerra; se termina com vitória, elogia-se quem a instigou. Sempre é buscada a culpa quando há um fracasso, pois este traz consigo um mau humor a que se aplica automaticamente um único remédio: uma nova excitação do sentimento de poder — e esta se acha na condenação do "culpado". Esse culpado não é um bode expiatório da culpa de outros: é a vítima dos fracos, humilhados, abatidos, que de algum modo querem provar a si mesmos que ainda têm força. Também condenar a si próprio pode ser um meio de readquirir o sentimento de força após a derrota. — Já a glorificação do instigador é, com frequência, o resultado igualmente cego de outro impulso que procura sua vítima — e desta vez o sacrifício é doce e convidativo até para a vítima —: quando o sentimento de poder de um povo, uma sociedade, está saturado em virtude de um grande, fascinante êxito, e sobrevêm um cansaço do triun­fo, uma parte do orgulho é abandonada; avulta o sentimento da devoção, que busca seu objeto. — Ao sermos louvados ou censu­rados, nisto somos geralmente oportunidades, e com frequência oportunidades agarradas arbitrariamente, para nossos próximos descarregarem o impulso de louvor ou censura neles acumu­lado: nos dois casos lhes prestamos um benefício, no qual não temos mérito e pelo qual não têm gratidão. (NIETZSCHE, Aurora, 2016, p.101-102)

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