domingo, 8 de maio de 2016

Sócrates

Sócrates (469-399 a.C.)

Sócrates é citado com frequência como um dos fundadores da filosofia ocidental. Contudo, nada escreveu, não criou escola alguma nem elaborou qualquer teoria. O que ele fez foi formular insistentemente perguntas que o interessavam e, ao fazê-lo, desenvolveu uma nova maneira de pensar, um novo modo de investigar o que pensamos. Isso foi chamado de método socrático, ou dialético (porque se encaminha como um diálogo entre visões opostas), e lhe rendeu vários inimigos em Atenas, onde vivia. Difamado como sofista (alguém que argumenta para vencer a discussão, e não para chegar à verdade), foi condenado à morte sob acusação de corromper a juventude com ideias que solapavam as tradições. Mas também teve muitos seguidores, entre eles Platão, que registrou as ideias socráticas numa série de obras escritas, chamadas diálogos, nas quais Sócrates examina vários temas.

O objetivo da vida

Sócrates não procurava respostas ou explicações definitivas: somente investigava a base dos conceitos que aplicamos a nós mesmos (como "bom" "ruim" e "justo"), porque acreditava que compreender o que somos é a primeira tarefa da filosofia.

A preocupação central de Sócrates foi a investigação sobre a vida. De acordo com o relato da defesa em seu julgamento, registrado por Platão, Sócrates preferiu a morte a ter de encarar uma vida de ignorância: "A vida irrefletida não vale a pena ser vivida"

Sócrates foi um dos primeiros filósofos a considerar o que constituía uma vida "virtuosa”; para ele, tratava-se de alcançar a paz de espírito como resultado de fazer a coisa certa, em vez de viver de acordo com os códigos morais da sociedade. E a "coisa certa" somente pode ser determinada por meio de um exame rigoroso.

Ele acreditava que a virtude (areté em grego, que na época implicava excelência e concretização) era "o mais valioso dos bens" e que ninguém realmente deseja fazer o mal. Qualquer pessoa que fizesse algo ruim estaria agindo contra sua consciência e, portanto, sentir-se-ia desconfortável e, como todos lutamos pela paz de espírito, não seria algo que faríamos de boa vontade. O mal, ele pensava, era perpetrado pela falta de sabedoria e conhecimento. A partir disso, concluiu que "há apenas uma coisa boa: conhecimento; e uma coisa má: ignorância" O conhecimento é indissociável da moralidade. É a "única coisa boa" e por essa razão devemos sempre "examinar" nossas vidas.

Cuidado com a alma

O cultivo do conhecimento, em vez de riqueza ou status, seria o objetivo supremo da vida. Não uma questão de diversão ou curiosidade, mas a razão pela qual existimos.
Em Fédon, Sócrates diz que uma vida irrefletida leva a alma a ficar "confusa e aturdida, como se estivesse bêbada" enquanto uma alma sábia alcança a estabilidade e seu vagar chega a um fim.

Método dialético

Segundo a lenda, um amigo do filósofo perguntou à sacerdotisa de Apoio em Delfos quem era o homem mais sábio do mundo. A resposta do oráculo foi que ninguém era mais sábio do que Sócrates. Ao saber disso, o próprio Sócrates ficou pasmo e recorreu às pessoas mais cultas que pôde encontrar para tentar refutar o oráculo. Descobriu que essas pessoas apenas achavam que tinham respostas, mas diante do questionamento de Sócrates esse conhecimento revelou-se limitado ou falso.

O método que ele usou para questionar o conhecimento desses sábios foi inovador. Sócrates assumiu o ponto de vista de quem nada sabia e simplesmente fez perguntas, expondo contradições nas argumentações e brechas nas respostas para, gradualmente, extrair insights. Ele comparava o processo à profissão de sua mãe, parteira, auxiliando no nascimento de ideias. Por meio dessas discussões Sócrates compreendeu que o oráculo de Delfos estava certo: ele era o mais sábio de Atenas, não por causa de seu conhecimento, mas porque declarava que não sabia nada. Ele também percebeu que a inscrição na entrada do templo em Delfos, gnothi seauton ("conhece-te a ti mesmo"), era igualmente significativa. Para adquirir conhecimento acerca do mundo e de si mesmo era necessário compreender os limites da própria ignorância e remover as ideias preconcebidas.

Esse método de examinar um argumento por meio da discussão racional a partir de uma posição de ignorância revolucionou o pensamento filosófico.

Essa forma poderosa de argumento foi desenvolvida por Aristóteles e, mais tarde, por Francis Bacon, que a utilizava como ponto de partida de seu método científico. Tornou-se, por consequência, o alicerce não apenas da filosofia ocidental, mas de todas as ciências empíricas.


Sócrates contra os sofistas

Sócrates rebelou-se contra os sofistas, dizendo que eles não eram filósofos, pois não tinham amor pela sabedoria nem respeito pela verdade, defendendo qualquer ideia, se isso fosse vantajoso. Corrompiam o espírito dos jovens, pois faziam o erro e a mentira valerem tanto quanto a verdade. Discordavam dos antigos poetas, dos antigos filósofos e dos sofistas, o que propunha Sócrates? Propunha que, antes de querer conhecer a natureza e antes de querer persuadir os outros, cada um deveria, primeiro e antes de tudo, conhecer-se a si mesmo. Por fazer do autoconhecimento a condição de todos os outros conhecimentos verdadeiros é que se diz que o período socrático é antropológico, isto é, voltado para o conhecimento do homem. O retrato que a história da filosofia possui de Sócrates foi traçado por seu mais importante aluno e discípulo, o filósofo ateniense Platão.

Sócrates fazia perguntas sobre as ideias, sobre os valores nos quais os gregos acreditavam e que julgavam conhecer. Suas perguntas deixavam os interlocutores embaraçados, irritados, curiosos, pois, quando tentavam responder ao célebre "o que é?", descobriam, surpresos, que não sabiam responder e que nunca tinham pensado em suas crenças, seus valores e suas ideias.

"Só sei que nada sei"

A consciência da própria ignorância é o começo da filosofia. Sócrates procurava a essência real e verdadeira das coisas, da ideia, do valor. Como a essência não é dada pela percepção sensorial, e sim pelo trabalho do pensamento, procurá-la é procurar o que o pensamento conhece da realidade e verdade de uma coisa, de uma ideia, de um valor.


As ideias de Sócrates

Para os poderosos de Atenas, Sócrates tomara-se um perigo, pois fazia a juventude pensar. Por isso, eles o acusaram de desrespeitar os deuses, corromper os jovens e violar as leis. Levado à assembleia, Sócrates não se defendeu e foi condenado a tomar um veneno, a cicuta.

Por que Sócrates não se defendeu? "Porque", dizia ele, "se eu me defender, estarei aceitando as acusações, e eu não as aceito. Se eu me defender, o que os juízes vão exigir de mim? Que eu pare de filosofar. Mas eu prefiro a morte a ter de renunciar à filosofia"

Sócrates nunca escreveu. O que sabemos de seu pensamento encontra-se nas obras de seus vários discípulos, e Platão foi o mais importante deles. Características gerais do período socrático:

• A filosofia se volta para as questões humanas

• O ponto de partida da filosofia é a confiança no pensamento ou no homem como um ser racional, capaz de conhecer-se a si mesmo e, portanto, capaz de reflexão.

• O pensamento deve oferecer a si mesmo caminhos próprios, critérios próprios e meios próprios para saber o que é o verdadeiro e como alcançá-lo em tudo o que investigamos.

• A filosofia está voltada para a definição das virtudes morais (do indivíduo) e das virtudes políticas (do cidadão).

• É feita, pela primeira vez, uma separação radical entre, de um lado, a opinião e as imagens das coisas, trazidas pelos nossos órgãos dos sentidos, nossos hábitos, pelas tradições, pelos interesses, e, de outro lado, os conceitos ou as ideias. As ideias se referem à essência invisível e verdadeira das coisas e só podem ser alcançadas pelo pensamento puro, que afasta os dados sensoriais, os hábitos recebidos, os preconceitos, as opiniões.

• A reflexão e o trabalho do pensamento são tomados como uma purificação intelectual que permite ao espírito humano conhecer a verdade invisível, imutável, universal e necessária.

• A opinião, as percepções e imagens sensoriais são consideradas falsas, mentirosas, mutáveis, inconsistentes, contraditórias e devem ser abandonadas para que o pensamento siga seu caminho próprio no conhecimento verdadeiro.

• A diferença entre os sofistas, de um lado, e Sócrates e Platão, de outro, é dada pelo fato de que os sofistas aceitam a validade das opiniões e das percepções sensoriais e trabalham com elas para produzir argumentos de persuasão, enquanto Sócrates e Platão consideram as opiniões e as percepções sensoriais, ou as imagens das coisas, como fonte de erro, mentira e falsidade, formas imperfeitas do conhecimento que nunca alcançam a verdade plena da realidade.

• A diferença entre o sensível e o inteligível.

• o sensível e o inteligível: O sensível são as coisas materiais ou corpóreas cujo conhecimento nos é dado por meio de nosso corpo na experiência sensorial ou dos órgãos dos sentidos e pela linguagem baseada nesses dados. O sensível nos dá imagens das coisas tais como nos aparecem e nos parecem, sem alcançar a realidade ou a essência verdadeira delas. As imagens sensíveis formam a mera opinião - a dóxa-, variável de pessoa para pessoa e variável numa mesma pessoa, dependendo das circunstâncias. O inteligível é o conhecimento verdadeiro que alcançamos exclusivamente pelo pensamento. São as ideias imateriais e incorpóreas de todos os seres ou as essências reais e verdadeiras das coisas. Para Platão, a filosofia é o esforço do pensamento para abandonar o sensível e passar ao inteligível.