terça-feira, 2 de setembro de 2014

A filosofia moral – UTILITARISMO

Vida útil

Ao longo da vida, somos cobrados o tempo todo.

E a vida vai sendo julgada. Em função da eficácia. Da produção de efeitos no mundo. Que coincidem ou não com as expectativas de quem nos julga. Com o que esperam de nós. Do quanto lhes somos úteis.

E essa utilidade tornou-se critério hegemônico para a identificação da vida que vale a pena ser vivida. Invocado em toda a parte para premiar e punir. Utilidade que também encontra abrigo no pensamento filosófico. No utilitarismo moral.

Utilidade e utilitarismo

Identificar a utilidade de uma coisa implica investigar fora dela, focar no resto, no outro, no que ela não é. Porque a utilidade de qualquer coisa nunca está nela própria. Mas em corpos sobre os quais age e produz efeitos.
Quando nos perguntamos sobre a utilidade de um colírio, respondemos que o mesmo é útil para limpar os olhos.

Utilidade e consequencialismo

Para julgar a vida à moda utilitarista, há que se considerar tudo que o vivente se dispõe a afetar.

Assim, quando alguém lhe perguntar:
— E aí! Como vai a vida?
Você poderá responder:
Sei lá. Diga você, que é exterior a mim. Afetado por mim. Que resulta da minha presença. Que é efeito da minha existência. Porque eu mesmo não posso saber.

Quando dizemos que o valor de uma conduta não está nela, isto inclui tanto seus aspectos objetivos quanto subjetivos. O que há de objetivo na ação? Aquilo que o agente faz, propriamente. A materialidade da conduta. Seu deslocamento efetivo, sua intervenção.

E de subjetivo? E a intenção de quem age. O que o agente pretendia que acontecesse. Pois o valor da ação tampouco se encontra nesta intenção. Não depende de boas ou más intenções. Por isso, não é por não querer que algo aconteça, que me encontro isento de responsabilidade. Afinal, com ou sem intenção, minha ação foi determinante para o acontecimento.

Para os utilitaristas, o valor de qualquer ação está nas suas consequências. saberemos se o agente agiu bem ou mal quando considerarmos o que efetivamente aconteceu a partir desta ação.

Utilidade e bons efeitos

Agiria bem aquele que determinasse no mundo um efeito coincidente com o que pretendia quando deliberou por aquela ação. Agiria bem aquele que se desse bem. Que conseguisse o que queria. Que alcançasse as próprias metas. Que se julgasse vitorioso.

Mas, não é essa a concepção utilitarista. Porque aqui, o bom efeito não é o sucesso de quem age. E sim, a alegria do maior número de afetados pela ação. Princípio da utilidade como fundamento da moral. Proposto pelo jurista inglês Jeremy Bentham. Segundo o qual, na deliberação entre várias condutas ou políticas sociais, devemos optar pelas que ensejarem melhores consequências para todos os envolvidos.
Em outras palavras, a ação boa é a que promove o maior bem-estar para o conjunto das pessoas. Desta proposta, três inferências são imediatas.

Primeiro, que as ações são julgadas certas ou erradas somente pela virtude de suas consequências. Nada mais importa. Segundo, que a única consequência que permite atribuir à ação que lhe ensejou um valor positivo ou negativo é a quantidade de bem-estar que dela decorre. Todo o resto é irrelevante. E terceiro, que o bem-estar de cada uma das pessoas afetadas pela ação — incluindo o próprio agente — tem o mesmo valor.
Em suma, a felicidade é o critério em função do qual podemos afirmar que uma ação é moralmente correta, aceitável, elogiável ou incorreta. Assim, o utilitarismo define a moralidade de um ato pela felicidade que dele advém.

Utilidade e finalismo

Além do consequencialismo  fundado na felicidade do maior número —  as reflexões utilitaristas inscrevem-se numa moral finalista. Assim, dentre as consequências ou efeitos da ação a ser deliberada ou valorada, servem como critério aquelas que dizem respeito a uma suposta finalidade do agente.
“Para provar que uma coisa é boa, é preciso necessariamente mostrar que esta coisa é o meio para alcançar uma outra, cujo valor admitimos sem prova. Provamos que a arte médica é boa porque busca a saúde. Mas será possível demonstrar que a saúde ela mesma é boa? A arte musical é boa porque, entre outras razões, causa prazer. Mas que prova fornecer para demonstrar a bondade do prazer? Desta forma, se fornecemos uma fórmula de ação ampla que compreenda todas as coisas boas por elas mesmas, e que todas as outras coisas só serão boas como meios para estas e não como fins, esta fórmula pode ser aceita ou rejeitada, mas não provada, no sentido ordinário do termo” (MILL, J.S. Utilitarismo).
Importa a felicidade dos outros. De muitos outros. Estavam convencidos de que a vida de cada um, como a sua e a minha, só poderia valer apena se os que nos cercam pudessem também viver dignamente.

Utilidade e Reformismo moderado

Preocupavam-se em resolver concretamente problemas morais em vez de simplesmente refletir sobres eles.
Retirando-a das divagações estéreis sobre os valores e aproximando-a das decisões políticas. Por intermédio das quais a dor de muita gente pudesse ser diminuída. E, para os mais ambiciosos, o prazer aumentado. Nesse sentido, os militaristas reaproximam, na modernidade, a filosofia moral da filosofia política, separadas desde Aristóteles.
Todo utilitarista, ainda que inconformado, propunha grandes mudanças nas já estabelecidas estruturas sociais.
Portanto, esta lista de reformas, enquanto tal, não tem valor algum. Poderemos julgá-la se, quando adotadas, tiverem trazido efetiva melhora na vida do maior número.
Tomemos, por exemplo, a campanha eleitoral de um candidato ao governo. Ela pode ser julgada por ela mesma. Pela sua lisura. Pela pertinência das propostas. Pela coerência entre elas. Pelo respeito aos demais candidatos. E outras características suas. Neste caso, o valor da campanha não depende da eleição do candidato. Do resultado da campanha, que pode ter sido fantástica mesmo levando o candidato à derrota. Esta não é a perspectiva utilitarista.
O valor de qualquer iniciativa é relativo ao sucesso ou fracasso da mesma.

Utilidade e altruísmo

A melhor conduta é a que fizer advir maior felicidade ao maior número de envolvidos ou afetados por ela.
Primeira conclusão: contrariamente ao que você e eu poderíamos pensar a partir do uso coloquial do termo utilitarista, a moral por eles proposta não é egoísta. Afinal, a felicidade — critério da valoração moral  não é a do agente, ou só a do agente, mas a de todos os afetados. J.S. Mill diria que o ideal utilitarista é a felicidade geral e não a felicidade pessoal.
Todos os eventuais afetados devem ser respeitados e considerados igualmente, pouco importando o sexo, a cor da pele, o país de origem, a nobreza familiar, idade ou riqueza. E a felicidade do agente é só mais uma no meio da dos demais.

Assim, quatro são as possibilidades de consequência de uma ação: na primeira, a ação enseja a felicidade do maior número e também do agente. Neste caso, seu valor é — pelos dois motivos  positivo. Na segunda, a ação enseja a tristeza do maior número e também do agente. Seu valor é negativo. Na terceira, a ação enseja a felicidade do agente, mas a tristeza do maior número. Negativa, para os utilitaristas. Mas aplaudida pelos egoístas morais.

Na quarta, a ação produz tristeza para seu agente e alegria para o maior número. Agente que abre mão daquilo que supõe vai alegrá-lo em nome da alegria de mais gente. Esse caso é o que mais nos interessa. Que condena seu agente a agir na contramão de seus apetites. No caso deles não coincidirem com o interesse da maioria.

Utilidade e avaliação da felicidade

Bentham e Mill definiam prazer como estado afetivo agradável. Decorrente da satisfação de um desejo ou de uma inclinação do corpo. Do exercício harmonioso de uma atividade.
Com a lógica consequencialista dos julgamentos morais, estamos obrigados a considerar os efeitos possíveis de um ato junto a pessoas que circulam geográfica, social e economicamente distantes do seu agente. Em outros espaços. Seria lógico aventar a hipótese teórica de incluir neste universo de afetados, indivíduos de outros tempos, de gerações futuras.

Para muitos militaristas, desconsiderar os que estão por vir seria uma discriminação indevida. Afinal, só se diferenciam de nós por terem nascido mais tarde.

Apesar de toda esta dificuldade, é inegável que temos a responsabilidade por um patrimônio que nos foi legado por gerações passadas e influenciará as futuras.

 Teoria do indivíduo

INDIVÍDUO definido por Duns Scot: "Chama-se de indivíduo, ou seja, o que é numericamente uno, aquilo que não é divisível em muitas coisas e se distingue numericamente de qualquer outra. Contudo, este, em seu modo de ser, em sua singularidade, é caracterizado por uma determinação última ou "realidade última" da natureza que o constitui (INDIVIDUALIZAÇÃO), de tal forma que inclui um conjunto ilimitado de determinações, em virtude das quais a natureza comum se restringe até se tornar este determinado ente. Desse ponto de vista, o indivíduo não é caracterizado pela indivisibilidade, mas pela infinidade de suas determinações.

Utilitarismo

Os Princípios:
  1. Em primeiro lugar, o utilitarismo é a tentativa de transformar a ética em ciência positiva da conduta humana, ciência que Bentham queria tornar "exata como a matemática" Essa característica faz do utilitarismo um aspecto fundamental do movimento positivista, ao mesmo tempo em que lhe garante um lugar importante na história da ética.
  2.  Liga-se à tradição hedonista, que vê no prazer o único móvel a que o homem ou, em geral, o ser vivo, obedece.
  3. O fim de qualquer atividade humana é "a maior felicidade possível, compartilhada pelo maior número possível de pessoas.
  4.  Associação estreita do utilitarismo com as doutrinas da nascente ciência econômica.
  5. Espírito reformador dos utilitaristas no campo político e social: preocuparam-se em pôr sua doutrina moral a serviço de reformas que deveriam aumentar o bem-estar e felicidade dos homens em vários campos.

O indivíduo utilitarista

Para o utilitarismo, o homem é um ser que só é livre quando se desenvolve intelectualmente e é capaz de fazer escolhas morais, diferentemente dos preceitos de Locke, que afirmava a liberdade do homem a partir da natureza.

Também não é por um contrato original que o homem passaria a desenvolver a civilização. Primeiro, porque esse contrato não pode ser provado historicamente e segundo porque, para se firmar o contrato, todos teriam certa igualdade. Para Locke, os ricos se tornaram ricos em função do exercício moral da liberdade. A riqueza era, assim, uma recompensa do bom uso da liberdade, sem dano aos outros. Se pensarmos historicamente, isso não é uma verdade, pois sabemos que o processo de enriquecimento está atrelado ao processo de subordinação e empobrecimento do outro.

Para o utilitarismo, o homem é um ser que necessita vivenciar seus desejos e, com isso, vivenciar o prazer, o fim último de todos os seres vivos. Ele é um ser passional (relativo à paixão, entendida como sentimento de amor ardente), não apenas racional ou natural. Para ajudar o homem, os utilitaristas pensaram em criar uma ciência moral tão exata quanto a Matemática, até mesmo para dar conta de um de seus problemas fundamentais, qual seja: como alcançar o prazer, sem produzir dor?

De fato, quando se considera o prazer como finalidade ética, temos aquilo que se chama hedonismo. No entanto, o hedonismo utilitarista está fundamentalmente preocupado com a vida em sociedade. Portanto, a noção de prazer e dor deve ser compartilhada, surgindo dessa partilha a verdadeira moral.

·  HEDONISMO. Termo que indica tanto a procura indiscriminada do prazer, quanto à doutrina filosófica que considera o prazer como o único bem possível, portanto como o fundamento de vida moral. Essa doutrina foi sustentada por uma das escolas socráticas, a Cirenaica, fundada por Aristipo; foi retomada por Epicuro, segundo o qual "o prazer é o princípio e o fim da vida feliz". O hedonismo distingue-se do utilitarismo do séc. XVIII porque, para este último, o bem não está no prazer individual, mas no prazer do "maior número possível de pessoas", ou seja, na utilidade social.

JOHN LOCKE


Para Locke, pensar a vida humana em períodos primordiais, os quais ele e outros autores como Thomas Hobbes e Jean Jacques Rousseau chamaram de estado de natureza, pode favorecer a compreensão sobre a necessidade humana de romper com o estado de natureza e criar o estado de sociedade ou de cultura.

Locke entendia que, para compreender o poder político, fazia-se muito importante uma reflexão que procurasse responder ao que teria levado os homens a sair do estado de natureza e passar a viver em sociedade com a organização de governos e leis para regular suas relações.

De acordo com sua filosofia, todos os homens nasciam com três direitos: liberdade, igualdade e garantia de vida. No estado de natureza eram livres, porque não precisavam pedir permissão ou depender da vontade de outro homem; eram iguais, pois nenhum possuía nada a mais que outro, recebendo todos as mesmas vantagens da natureza e as mesmas faculdades. A garantia de vida era dada por uma lei própria do estado de natureza, segundo a qual, por serem iguais e independentes, os homens não deveriam prejudicar uns aos outros e poderiam punir quem viesse a ameaçar a vida deles.

No estado de natureza, para Locke, os homens vivem situação de paz. Porém, ele entende que esse estado de paz é ameaçado quando um homem coloca outrem sob seu poder e o submete à sua vontade. Rompe-se, assim, o estado de natureza e instala-se o estado de guerra. Para recuperar o estado de paz, é necessário que os homens se unam em um contrato por meio do qual evitem os inconvenientes do estado de guerra.

Nesse contrato, os homens concordaram que, para evitar que eles fossem usurpados, deveriam eleger um governo, ao qual caberia defendê-los. Assim, todos deveriam respeitar a vida, a propriedade e a liberdade, e o governo ou Estado seria responsável pela manutenção da paz. O governo deveria lutar contra quem quer que tentasse desrespeitar a condição natural de igualdade e liberdade. A partir disso, para Locke, começou a civilização.
                                                      
É importante diferenciar o Direito Natural do Direito Positivo. Esses dois conceitos são fundamentais para a formação cidadã. O Direito Natural seria uma derivação da razão correta – assim como a natureza tem suas leis, o homem também teria, por natureza, as suas. Já o Direito Positivo seria o conjunto de leis que os homens criam para conviver em sociedade.

Em Locke, a liberdade, a propriedade e a vida são constitutivos do Direito Natural de cada indivíduo. No entanto, para mantê-lo, o homem precisa conviver com outros que têm o mesmo Direito Natural; então, para que o convívio seja possível, os homens necessitam produzir leis positivas – no sentido de inventadas – para manutenção desses mesmos direitos naturais. Assim, a partir do Direito Natural de cada um, cria-se o Direito Positivo a que todos têm de obedecer.
Na filosofia de John Locke, há a valorização do indivíduo como agente histórico e jurídico. Além disso, em razão do empirismo, o indivíduo também é responsável pela aquisição e produção do conhecimento, sendo a felicidade, sem dúvida, o fim último da realização individual.

Por isso, toda ação depende necessariamente do indivíduo. O tipo de governo que ele deixa existir, o tipo de relações sociais sob as quais viverá; enfim, sua felicidade ou tristeza não compete mais ao rei ou ao senhor feudal, mas somente ao indivíduo.


STUART MILL

Na obra Sobre a liberdade, de Stuart Mill, em que encontramos uma noção do indivíduo segundo o utilitarismo.

Para Mill, a diferença social degrada (degenera a moral; estraga) tanto os ricos como os pobres. Por isso, a igualdade deve ser buscada. Ela será mais útil na produção de prazeres. As relações de subordinação não são bem-vindas, como patrão e empregado, homem e mulher, rico e pobre etc. Ele acreditava que, se a sociedade deixasse o indivíduo viver da forma que o fizesse feliz, isso lhe permitiria atingir todo o seu potencial. O que beneficiaria toda a sociedade, já que as realizações dos talentos isolados contribuem para o bem geral. Outra ideia importante de Mill deriva da necessidade de coexistir pacificamente, pois, ao pagar, o patrão perde e, ao trabalhar, é o empregado quem perde, criando-se, portanto, uma tensão. Para evitá-la, seria fundamental que não houvesse nenhuma divisão social.


 JEREMY BENTHAM


Jeremy Bentham, filósofo e reformista legal, estava convencido de que toda atividade humana era governada por apenas duas forças motivadoras: evitar a dor e buscar o prazer. Em Uma introdução aos princípios da moral e da legislação (1789), ele argumentou que todas as decisões sociais e políticas devem ser feitas com o objetivo de alcançar a máxima felicidade possível para o máximo de pessoas possível. Bentham acreditava que o valor moral de tais decisões relaciona-se diretamente com sua utilidade, ou eficiência, em causar felicidade ou prazer. Numa sociedade governada por essa abordagem "utilitarista", ele afirmava, os conflitos de interesse entre indivíduos poderiam ser resolvidos pelos legisladores, guiados apenas pelo princípio da criação da mais ampla propagação possível de contentamento. Se podemos deixar todo mundo feliz, então, melhor ainda. Mas se uma escolha é necessária, deve-se preferir favorecer a maioria sobre a minoria.

Calculando o prazer

De maneira controversa, Bentham propõe um "cálculo da felicidade" que possa expressar matematicamente o grau de felicidade sentida pelo indivíduo.

Bentham admitia uma igualdade humana fundamental, com a felicidade plena sendo acessível a todos, independente de capacidade ou de classe social.

Referência Bibliográfica:

DE BARROS FILHO, Clóvis. A vida que vale a pena ser vivida. Editora Vozes, 2010.
ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de filosofia. Fondo de cultura econômica, 2004.
BUCKINGHAM, Will; BURNHAM, Douglas. O livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011, p. 130-133, 174,190-191.