domingo, 23 de fevereiro de 2014

Filosofia da linguagem

A importância da linguagem

Na abertura da sua obra Política, Aristóteles afirma que somente o homem é um “animal político”, isto é, social e cívico, porque somente ele é dotado de linguagem. Os outros animais, escreve Aristóteles, possuem voz (phoné) e com ela exprimem dor e prazer, mas o homem possui a palavra (lógos) e, com ela, exprime o bom e o mau, o justo e o injusto. Exprimir e possuir em comum esses valores é o que toma possível a vida social e política e, dela, somente os homens são capazes.
Na mesma linha é o raciocínio de Rousseau, no primeiro capítulo do Ensaio sobre a origem das línguas “A palavra distingue os homens e os animais; a linguagem distingue as nações entre si. Não se sabe de onde é um homem antes que ele tenha falado”.
“A linguagem é inseparável do homem, segue-o em todos os seus atos", sendo "o instrumento graças ao qual o homem modela seu pensamento, seus sentimentos, suas emoções, seus esforços, sua vontade e seus atos, o instrumento graças ao qual ele influência e é influenciado, a base mais profunda da sociedade humana".
A linguagem, diz ele, está sempre à nossa volta, sempre pronta a envolver nossos pensamentos e sentimentos, acompanhando-nos em toda a nossa vida. Ela não é um simples acompanhamento do pensamento, "mas sim um fio profundamente tecido na trama do pensamento", é ”o tesouro da memória e a consciência vigilante transmitida de geração a geração".
A linguagem é, assim, a forma propriamente humana da comunicação, da relação com o mundo e com os outros, da vida social e política, do pensamento e das artes.

A força da linguagem

Podemos avaliar a força da linguagem tomando como exemplo os mitos e as religiões. A palavra grega mythos, como já vimos, significa “narrativa” e, portanto, ”linguagem”. Trata-se da palavra que narra à origem dos deuses, do mundo, dos homens, das técnicas e da vida do grupo social ou da comunidade. Pronunciados em momentos especiais  os momentos relação com o sagrado , os mitos são mais do uma simples narrativa, são a maneira pela qual, meio das palavras, os seres humanos organizam a realidade e a interpretam.
O mito tem o poder de fazer com que as coisas sejam tais como são ditas ou pronunciadas. O melhor exemplo dessa força criadora da palavra encontra-se na abertura do Gênese, na Bíblia judaico-cristã, em que Deus cria o mundo do nada, apenas usando a linguagem: "E Deus disse: Faça-se!", e foi feito. Porque Ele disse, foi feito. A palavra divina é uma força criadora.
Nos rituais indígenas e africanos, os deuses e heróis comparecem e se reúnem aos mortais quando invocados pelas palavras corretas, pronunciadas pelo celebrante.
A linguagem, longe de ser um mecanismo instintivo e biológico, seria um fato puro da inteligência, uma atividade intelectual simbólica e de compreensão, uma pura tradução de pensamentos.

Filosofia linguística

Também conhecida como análise linguística. A visão de que os problemas filosóficos surgem do uso confuso da linguagem e devem ser solucionados, ou decompostos, segundo uma análise cuidadosa da linguagem na qual foram expressos.

Ferdinand de Saussure (1857-1913)

“Toda mensagem é composta por signos” Ferdinand de Saussure 

Saussure foi um filósofo suíço do século XIX que considerava a linguagem como sendo composta por sistemas de "signos", os quais atuam como unidades básicas da linguagem. Seus estudos fundamentaram uma nova teoria, conhecida como semiótica. Essa teoria de signos foi desenvolvida por outros filósofos durante o século XX, como o filósofo russo Roman Jakobson, que resumiu a abordagem semiótica quando disse que “toda mensagem é composta de sinais”.
Saussure afirmo que um signo é composto de duas coisas. Em primeiro lugar, um “signicante, que é uma imagem acústica: não é o som real, mas a “imagem" mental que temos do som. Em segundo lugar, o “signicado", ou conceito. Aqui, Saussure abandonou uma longa tradição que diz que a linguagem trata das relações entre palavras e coisas. Ele inovou ao dizer que ambos os aspectos de um signo são mentais (nosso conceito de "cão", por exemplo, e a imagem acústica do som “cão"). Saussure afirma que qualquer mensagem  por exemplo, "meu cão se chama Fred"  é um sistema de relações entre imagens acústicas e conceitos. No entanto, Saussure arma que a relação entre signicado e signicante é arbitrária; não há nada particularmente “canino” em relação ao som “cão”  daí que a palavra pode ser chíen em francês ou gou em chinês.
A obra de Saussure sobre linguagem tornou-se a base da linguística moderna e influenciou muitos lósofos e teóricos literários.

“Na vida dos indivíduos e da sociedade, a linguagem é um fator de importância maior do que qualquer outro.” Saussure

Ludwig Wittgenstein (1889-1951)

“Os limites da minha linguagem significam os limites do mundo” Ludwig Wittgenstein

O Tratado lógico-losóco de Wittgenstein é, talvez, um dos textos mais intimidadores da história da losoa do século XX. Com cerca de apenas setenta páginas na célebre tradução inglesa (intitulada Tractatus logico-philosophicus), a obra é composta de uma série de observações altamente condensadas e técnicas.
Wittgenstein quis denir os limites da linguagem e, por consequência, todo o pensamento. Ele o fez porque suspeitava que grande parte da discussão e da discordância losófica baseia-se em erros fundamentais no modo como lidamos com o pensamento e na maneira de discutir o mundo.
“A solução do problema da vida é vista no desaparecimento do problema” Wittgenstein

Estrutura lógica

Para Russell, gura importante no desenvolvimento da lógica losóca, a linguagem cotidiana era inadequada para falar clara e precisamente sobre o mundo. Ele acreditava que a lógica constituía uma “linguagem perfeita” por excluir todos os traços de ambiguidade e, então, desenvolveu um modo de traduzir a linguagem cotidiana em algo que considerou uma forma lógica.
A lógica ocupa-se do que é conhecido na losoa como proposições (proposta, sugestão). Podemos pensar em proposições como asserções (proposição afirmativa ou negativa de sentido completo e intenção declarativa, que pode ser verdadeira ou falsa) que têm possibilidade de ser consideradas verdadeiras ou falsas. Por exemplo, a armação o elefante está muito bravo" é uma proposição, mas a palavra elefante" não é.
Aqui podemos ver um paralelo entre o modo como Wittgenstein tratou a linguagem e o modo como tratou o mundo. Pode ser um fato, por exemplo, que o elefante está bravo, ou que há um elefante no recinto, mas um elefante, por si só, não constitui um fato.
Todos os elementos representados num mapa estão relacionados uns aos outros, da mesma forma que estão na localidade representada pelo mapa. O que uma imagem compartilha com aquilo que representa, disse Wittgenstein, é uma forma lógica.
As ondas de som geradas pela execução de uma sinfonia, a partitura daquela sinfonia e o padrão formado pelos sulcos do disco numa gravação da sinfonia reproduzida por gramofone compartilham, entre eles, a mesma forma lógica.
Obviamente, nossa imagem também pode estar incorreta. As imagens são verdadeiras ou falsas.
A linguagem e o mundo, então, têm uma forma lógica: a linguagem pode falar sobre o mundo retratando o mundo, e retratando-o de um modo que concorde com a realidade.
Considere a seguinte ideia: “Você deve doar metade de seu salário para a caridade". Isso não retrata nada no mundo, no sentido expresso por Wittgenstein. O que pode ser dito (o que Wittgenstein chamou de "totalidade das proposições verdadeiras") é meramente a soma de todas as coisas que são o caso, ou seja, as ciências naturais.
A discussão sobre religião e valores éticos é, para Wittgenstein, estritamente sem sentido. Como as coisas sobre as quais estamos tentando falar quando discutimos tais tópicos estão além dos limites do mundo, elas também estão além dos limites da nossa linguagem.

“A lógica não é um conjunto de doutrinas, mas uma imagem-espelho do mundo”Wittgenstein


Além das palavras


Wittgenstein não considerou que os “problemas da vida" sejam absurdos. Ao contrário, acreditou que esses são os problemas mais importantes entre todos  mas simplesmente não podem ser colocados em proposições e, por isso, não podem se tornar parte da losoa. Wittgenstein escreveu que essas coisas, mesmo que não possamos falar delas, tornam-se manifestas, acrescentando que elas são o que é místico".

“Sobre aquilo que não se pode falar, deve-se calar.” Wittgenstein

Mudança de direção

Após completar o Tractatus, Wittgenstein concluiu que não havia mais problemas losócos para resolver e abandonou a disciplina. No entanto, ao longo das décadas de 1920 e 1930 começou a questionar seu próprio pensamento, tornando-se um de seus críticos mais ferozes. Em particular, questionou sua antiga crença, solidamente mantida, de que a linguagem consiste unicamente em proposições, uma visão que ignora muito do que fazemos em nossa linguagem diária, de contar piadas a adular ou resmungar.
No entanto, apesar de todos os seus problemas, o Tractatus permanece como uma das obras mais desaadoras e poderosas da losoa ocidental – além de, essencialmente, uma das mais misteriosas.


Referências:
CHAUI, Marilena. Filosofia: Novo Ensino Médio, Volume único. São Paulo: Ática, 2010, p. 143-147.
BUCKINGHAM, Will; BURNHAM, Douglas. O livro da Filosofia. São Paulo: Globo, 2011, p. 223, 246-251.

Um comentário:

  1. antes de ler esse artigo já vinha com a mesma ideia de Wittgenstein na cabeça e no coração kkkk fâ dele agora kkk

    ResponderExcluir